Quem gosta de literatura medieval, e leu coisas como Mellory “La Morte d’Arthur,” já se acostumou com personagens como a donzela em perigo que de vez em quando aparece (do nada mesmo) na floresta, e o cavaleiro precisa salvá-la – o que nem sempre é possível. E o que se procede é que o cavaleiro corta a cabeça dessa donzela e leva consigo como um símbolo da sua falha. Pois é… sinistro mesmo.

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Nem precisamos falar que essa protagonista está defasada, não é? Então hoje, estreia da nossa série “Personagens que fizeram história,” vamos falar um pouquinho da evolução dessas personagens e tentar perceber o que o futuro nos guarda.

Antes dessa fase sinistra de cavaleiros carregando cabeças de moças por aí, temos personagens inesquecíveis como Penélope (em Odisseia), que espera por Odisseu por vários anos, enganando seus pretendentes. Apesar de estar teoricamente somente esperando seu amado, Penélope não fica inativa. Ficou lá tecendo e destecendo sua colcha e conseguiu o que queria, esperar pelo seu homem. Estrategista como Sherazade, de As Mil e Uma Noites, que consegue manter-se viva contando histórias para o rei.

Nessa linha, surge Emma Bovary, protagonista de Madame Bovary de Flaubert. Essa obra do fim do Romantismo escandalizou a França no seu lançamento, pois mostrou a insatisfação e os anseios da mulher, que era – pasmem! – muito reprimida sexualmente e socialmente nessa época. Flaubert foi até à júri popular por causa desse livro! Foi um alvoroço.

E para quem pensa que Jane Austen é lindo e cheio de casais apaixonadíssimos, há leituras de Jane Austen que são muito mais cruas. A ideia de que a obra dela é romântica é considerada por alguns uma leitura inocente. Um tema que sempre recorre nos seus livros é a injustiça da lei da Inglaterra na época, em que as mulheres não podiam herdar nada. Você estava lá, tão focada na Elizabeth e no Darcy, notaram que a família da Elizabeth pode perder a casa porque os pais somente têm filhas mulheres? Sim, elas todas se casam no final e vivem felizes para sempre – mas essa também pode ser uma exigência dos editores na época. Se a personagem principal fosse feminina, ela precisava se casar no final.

No Brasil, Capitu é tratada como uma Emma Bovary. Machado a descreve como “oblíqua e dissimulada” desde a infância, mostrando como ela estava muito à frente de seu tempo, e absurdamente mais madura do que Bentinho. Como Capitu é descrita por Bentinho, nós temos uma percepção dela que é nebulosa, oblíqua, confusa, misteriosa. E a nossa educação patriarcal sempre nos fez ponderar sobre a suposta traição, ao invés de ler a obra como ela é – a incapacidade de Bentinho de compreender e se comunicar com a própria esposa.

Com a alavancada na publicação de mulheres, as protagonistas mudaram. São ativas, se expõe (já era tempo, depois de diversos séculos sendo expostas pelos olhares masculinos). Katniss, a personagem icônica de Suzane Collins, por exemplo, mostra sua força e coragem, sem deixar de mostrar suas fraquezas. Certamente, Katniss vai entrar na lista de mulheres memoráveis.

A literatura está cheia de mulheres maravilhosas… e a próxima protagonista a entrar para a história pode ser a sua.