Já passava das nove da noite, aquela cama vazia, diversos livros, poemas e todos desfilavam pelo travesseiro. Palavras de tecido suave pulsavam da poltrona, que silenciosamente observava aquela suruba literária, ali, em plena cama banhada de vazio. A poltrona firme, altiva, imóvel fitava com um olhar molhado e penetrante cada gesto de perna, elas cansadas de cruzar e descruzar, desenhavam novas posições para terminar o encontro da noite. Naquela, uma névoa fria balançava a cortina de cetim branco, e Pessoa, e todos os heterônimos, rondavam a cama.

Até que cansada de homens que falavam de amor e vida fui conversar com Clarice, ela, fala da vida com mais simplicidade, e isso, me fascina, mas confesso que nessa noite, o silêncio e o olhar crítico da poltrona, já bastava para eu querer comer uma bacia enorme de chocolates.

Deite-me.

Luz apagada, um silêncio no corpo, um frio lá fora, um texto no chão, um café no criado mudo, uma cama vazia, e sombras, mãos e pés enroscados pela parede. Nela escorria palavras de amor que outrora ainda ouvia, aquele silêncio gritou, pela varanda pingava, em gotas de desejo, aquela saudade do cabelo cacheado e do corpo marcado.

Na poltrona, um livro de Pessoa. Na cama, uma saudade de Clarice. No travesseiro, suas cartas de amor. E eu, na varanda, fazendo amor com a Lua.

Levantei e tomei um outro café, sentei na varanda para escrever e olhar à noite, e
olha só o que nasceu, um conto molhado da vontade que você deixou, acabei o café, fechei o livro.

Amanhã, dormirei com Cazuza, e quem sabe, com os versos de Camões,
e então, assim, bem devagar, com todos os segredos de liquidificador possamos ter uma noite prazerosa, uma trepada, só nossa, uma trepada com todos nós na mesma cama.

Acordei.

Fui trabalhar, joguei a calcinha na poltrona e sai.

Texto de Bia Oliveira

Atriz, educadora, roteirista, diretora artística do Teatro Glaucio Gil, preparadora de elenco e produtora cultural.